Há dias, sabes, em que gostava de ser como o gato e que me tocasses sem desejar encontrar quaisquer sentimentos a não ser o que se exprime num espreguiçar muito lento — um vago agradecimento? — e que depois me deixasses deitado no sofá sem que nada pudesses levar da minha alma, pois nem saberias o que dela roubar.
Pedro Paixão
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
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3 comentários:
Acho que falta um bocado de Paixão a esse Pedro...
Da mesma opinião.
lp
O GATO
I
Dentro em meu cérebro vai e vem
Como se a sua casa fosse
Um belo gato, forte e doce.
Quando ele mia, mal a quem
Lhe ouça o fugaz timbre discreto;
Seja serena ou iracunda,
Soa-lhe a voz rica e profunda.
Eis seu encanto mais secreto.
Essa voz que se infiltra e afina
Em meu recesso mais umbroso
Me enche qual verso numeroso
E como um filtro me ilumina.
Os piores males ele embala
E os êxtases todos oferta;
Para enunciar a frase certa,
Não é com palavras que fala.
Não, não existe arco que morda
Meu coração, nobre instrumento,
Ou faça com tal sentimento
Vibrar-lhe a mais sensível corda
Que a tua voz, ó misterioso
Gato de místico veludo,
Em que, como um anjo, tudo
É tão sutil quanto gracioso!
II
De seu pêlo louro e tostado
Um perfume tão doce flui
Que uma noite, ao mima-lo, fui
Por seu aroma embalsamado.
É a alma familiar da morada;
Ele julga, inspira, demarca
Tudo o que seu império abarca;
Será um deus, será uma fada?
Se neste gato que me é caro,
Como por ímãs atraídos,
Os olhos ponho comovidos
E ali comigo me deparo,
Vejo aturdido a luz que lhe arde
Nas pálidas pupilas ralas,
Claros faróis, vivas opalas,
Que me contemplam sem alarde.
De Charles Baudelaire (1821-1867)
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