Dois bichanos se encontraram
      Sobre uma trapeira um dia:
      (Creio que não foi no tempo
      Da amorosa gritaria).
      De um deles todo o conchego
      Era dormir no borralho;
      O outro em leito de senhora
      Tinha mimoso agasalho.
      Ao primeiro o dono humilde
      Espinhas apenas dava;
      Com esquisitos manjares
      O segundo se engordava.
      Miou, e lambeu-o aquele
      Por o ver da sua casta;
      Eis que o brutinho orgulhoso
      De si com desdém o afasta.
      Aguda unha vibrando
      Lhe diz: ''Gato vil e pobre,
      Tens semelhante ousadia
      Comigo, opulento, e nobre?
      Cuidas que sou como tu?
      Asneirão, quanto te enganas!
      Entendes que me sustento
      De espinhas, ou barbatanas?
      Logro tudo o que desejo,
      Dão-me de comer na mão;
      Tu lazeras, e dormimos
      Eu na cama, e tu no chão.
      Poderás dizer-me a isto
      Que nunca te conheci;
      Mas para ver que não minto
      Basta-me olhar para ti.''
      ''Ui!" (responde-lhe o gatorro,
      Mostrando um ar de estranheza)
      "És mais que eu? Que distinção
      Pôs em nós a Natureza?
      Tens mais valor? Eis aqui
      A ocasião de o provar.''
      ''Nada" (acode o cavalheiro)
      "Eu não costumo brigar.''
      ''Então" (torna-lhe enfadado
      O nosso vilão ruim)
      "Se tu não és mais valente,
      Em que és sup'rior a mim?
      Tu não mias?'' - ''Mio.'' - ''E sentes
      Gosto em pilhar algum rato?''
      ''Sim.'' - "E o comes?'' - ''Oh! Se como!...''
      ''Logo não passas de um gato.
      Abate, pois, esse orgulho,
      Intratável criatura:
      Não tens mais nobreza que eu;
      O que tens é mais ventura.''
        Bocage
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
 
 
 
 

 






























Sem comentários:
Enviar um comentário